quarta-feira, 9 de abril de 2008

Envolvidos pela propaganda

Preciso relatar aqui uma experiência:

Estava eu esperando o metrô na estação, por volta de uma e meia da tarde, como faço obrigatoriamente em todos os dias úteis. Ao longo da plataforma, homens, mulheres e crianças, das mais variadas classes sociais, cores e vestimentas aguardavam ansiosamente o barulho dos cabos de aço se chocando acima de suas cabeças, o que significaria a chegada do metrô. O calor do sol, que mal se afastara do ponto mais alto do céu, era infernal. Nem mesmo a leve brisa estava ajudando, pois soprava um vento quente em quem se aproximava da linha amarela na beirada da plataforma. Vi então que algumas pessoas que estavam sentadas nos bancos metálicos começavam a se levantar. Depois de um leve esforço com a audição, pude perceber o tal barulho dos cabos de aço. Não demorou nem dez segundos para o metrô despontar na curva dos trilhos, entre um muro de concreto e algumas árvores altas. Acostumado com a visão que se repetia todos os dias, rapidamente estranhei quando uma estranha cor laranja emanava dos vagões, no lugar do cinza urbano e das janelas de vidro, por vezes marcadas por rostos indiferentes que acompanhavam a paisagem urbana.
Aquela bizarrice só pôde ser completamente percebida por mim quando os vagões pararam em minha frente e dei alguns passos para trás: os vagões estavam inteiramente cobertos por uma propaganda da Kibom. Era como se houvessem pegado uma peça gráfica adesiva gigante e colado no metrô, cobrindo tudo, até mesmo portas e janelas. Nos poucos segundos que separam a parada do trem e a abertura das portas, todos que estavam na plataforma ignoravam qualquer mensagem publicitária que ali estivesse, preocupando-se apenas em tentar enxergar a parte interna do metrô, para saber se estavam cheios ou vazios, se entravam nesse ou naquele vagão. Mas aquela coisa laranja não deixava. Ao observar mais um pouco, vi que a cor laranja era da textura de um sorvete, de laranja ou sei lá. Havia então o símbolo da Kibom, e uma frase que ocupava toda a extensão do vagão, e que só consegui ler depois que desci e vi o trem de longe. No interior do metrô, as mesmas caras desanimadas de todos os dias depois do almoço e um ambiente mais escuro. A propaganda, apesar de não prejudicar totalmente a visibilidade das janelas, impunha uma película negra para quem quisesse olhar para fora.
Durante os doze minutos de viagem, entre uma parada e outra, uma sacudida na camisa e outra nas barras da calça para espantar o calor, fiquei refletindo sobre o ponto ao qual a publicidade chegou. Um absurdo na minha opinião! A criatividade está aí justamente para evitar esse tipo de coisa. Para mim, não há nenhum resquício de boa idéia em cobrir portas e janelas de um metrô com um outdoor adaptado. Não sei quem é mais idiota, a empresa aqui de Belo Horizonte que permitiu tal forma de anúncio, ou o mídia que põe isso em seu planejamento. Nós fazemos faculdade durante quatro anos para aprender a pensar em soluções inteligentes, que dêem resultado. E o nome de uma disciplina do último período – ética – não deixa dúvidas de que devemos praticar isso também. Antes de terminar, é bom contar a frase que escreveram no anúncio da Kibom, debaixo de tanto calor, concreto e metal: “Se derreter a gente entende, o povo mineiro é quente mesmo”.

2 comentários:

Ritinha disse...

Sem dúvida um ótimo ponto de discussão. Concordo que devemos ter soluções criativas e inteligentes, para impedir situações como essa, que no meu ponto de vista é desrespeitosa e ineficaz. Além da frase ser de difícil leitura devido ao seu tamanho, cobrir as janelas e barrar a vista dos passageiros, deve ter deixado o povo mineiro ainda mais quente. Que tal a Kibon fazer uma ação que nos refresque um pouco, como um sorvete deve fazer. Com isso ela pode até evitar que o sorvete (ou alguém) derreta.

Tales Torres disse...

Não entendi a última frase: era da Kibon (fazia parte do anúncio) ou algum indivíduo escreveu?
Pelo o que a Rita tá falando, me parece que é da própria marca.
E Bruno, creio que não tem pior nessa história. A empresa do metrô de bh só pensou na grana que iria ganhar permitindo este anúncio nos vagões do metrô: a agência só pensou em empurrar uma propaganda sem inteligência, que nos deixa até com receio da marca.
Na nossa carreira, vamos deparar sempre com estas coisas que vão ficar no limite da ética; cabe a nós intervir a favor da ética, mesmo que o chefe diga o contrário. Afinal, chefe a gente pode arranjar em qualquer lugar, mas a ética a gente carrega dentro de si.